RENFIELD, ou o Drácula de Nicolas Cage

★★★ - 34 anos depois de interpretar uma pessoa que pensa ser um vampiro, Nicolas Cage é finalmente galardoado com a tarefa de interpretar o vampiro mais famoso de todos!

Renfield tem estreia marcada nos cinemas portugueses a 27 de Abril. 

Por entre a premissa interessante do trailer, as cenas de ação que revela, o tom cómico que inspira, e a revelação do antagonista no fim, o ponto de venda deste filme está feito com Nicolas Cage a apresentar-se miticamente como ‘Drácula’, ainda que seja uma personagem ligeiramente secundária.

Renfield centra-se no criado de Drácula (Nicolas Hoult), e no arrependimento do mesmo ao servir as necessidades perversas do mestre durante décadas, após confrontos com caçadores terem reduzido o suserano dele a um monte de corpo e cara desfigurados. Na atualidade, a dupla tem como refúgio um hospital abandonado em New Orleans, onde Renfield trata da logística de trazer vítimas a Drácula, para que o Conde se alimente das mesmas até recuperar os seus poderes.

Arrependido das decisões do passado e com a motivação de tentar sair da embrulhada em que se encontra, Renfield junta-se a um grupo de autoajuda onde pessoas partilham as suas experiências em codependência, relações tóxicas, e os contínuos esforços para se livrarem das mesmas. Em paralelo, Renfield apresenta um enredo secundário liderado por Rebecca Quincy (Awkwafina), uma polícia de trânsito determinada a vingar a morte do pai pelas mãos de uma família do crime que reina o submundo da cidade.

Os dois enredos acabam por se cruzar num tiroteio que tem lugar num bar, onde a personagem titular procurava relutantemente por vítimas específicas para o Mestre – o sangue de turistas, casais, freiras e meninas de claque aparentemente ajudaria o Conde a regenerar-se mais rápido. Ao seguir uma investigação policial ligada a um incidente que envolveu Renfield e a máfia, Rebecca é atacada nesse mesmo bar onde, apaixonando-se à primeira vista, a jornada de Renfield acaba por se emergir com a dela após salvar-lhe a vida no confronto, formando a partir daí um duo pseudo-romântico que eventualmente decide derrubar a máfia mais poderosa da cidade.

Renfield e Rebecca

O argumento de Ryan Ridley que foi inspirado a partir de uma ideia de Robert Kirkman (The Walking Dead), para explicar da forma mais simples possível, é uma violenta mistura de géneros temperada com extra gore. Podemos classificar a obra como terror-comédia combinado com os subgéneros de crime e buddy cop num filme de ação, em que a realização de Chris McKay e cinematografia de Mitchell Amundsen cavalgam a passo rápido durante 90 minutos, e que por vezes, tropeça no argumento, mas mantém um passo e ritmo consistentes para uma experiência escapista numa bela e confortável sala de cinema.

Como já mencionado, esta longa é violenta, bastante violenta (!), mas felizmente, para o espetador mais sensível, sendo uma que não se leva nada a sério e que toma a decisão propositada de apresentar o gore maioritariamente em CGI, o mesmo é fácil de digerir, proporcionando hilariantes matanças que são mais comuns de avistar num filme de série-B, mas aqui estão, numa pelicula com um orçamento de 65 milhões de dólares. Há um ponto em que o Renfield arranca os braços a um homem, e depois usa-os como uma ‘nunchaku’ (a famosa arma de Bruce Lee) para esventrar mafiosos, e depois como lanças, perfurando os peitos de dois homens contra uma parede, tudo isto em grande estilo, com Renfield a mover-se como um mestre de kung fu de alto calibre - ele dá mortais, piruetas, faz movimentos coordenados que, para uma pessoa normal, demoraria anos a desenvolver, mas para ele, que só precisa de comer um inseto ou dois para possuir parcialmente os poderes de Drácula, sai-lhe com a maior das facilidades. Um ou dois insetos no estômago, e os punhos transformam-se em armas de arrancar cabeças!

Como diz o ditado, ‘se não tivesse nascido tinha que ser inventado’, e inventado o Renfield foi.

Vamos falar agora um pouco de Nicolas Cage, a atração principal.

Nicolas Cage como Drácula

Nic Cage é perfeito como Drácula, e esta encarnação do Conde é definitivamente um papel que Cage nasceu para fazer. Sendo uma das interpretações de sonho dele, o mesmo dá tudo de si para que a personagem resulte, e é uma rendição do lendário vilão apropriada para o estilo de overacting de Cage, que aqui até lhe sai surpreendentemente natural. Vê-se que ele está confortável com o papel e a adorar cada segundo no ecrã. Tudo o resto vem para ajudar - os efeitos práticos da cara desfigurada, o CGI que a complementa e transforma à medida que vai recuperando os poderes, o guarda-fato, combinam todos na perfeição com a fotografia colorida e energética do filme, e congratula-o com um visual de culto que os fãs do mesmo irão com certeza adorar – é o background ideal para ele entregar o seu carisma típico.

Apesar de Nicolas Cage ser o melhor elemento do filme, acaba por também originar o pior – não passamos tempo suficiente com ele!

Nicolas Hoult é muito bom como Renfield, e a dinâmica que tem com Cage resulta em todas as cenas, mas, no entanto, o filme acaba por amaldiçoar-se a si próprio com um segundo arco que se prolonga demais, e uma tentativa fracassada de acrescentar um worldbuilding que não é capitalizado. Passamos muito tempo com Rebecca e a observar a sua jornada, que pouco importará a quem veio para ver este Count Dracula em ação, e Nicolas Cage tem que partilhar os holofotes de vilão com Teddy Lobo (Ben Schwartz), o filho mimado e irritante de uma matriarca que lidera a família mafiosa, cortando o tempo que temos para ver o Drácula em destaque!

Não é que ele apareça pouco, continua a ser vital para a narrativa, mas Renfield definitivamente usufruiria de uma ênfase maior na personagem de Cage. Cada cena em que o ‘Mestre’ entra é simplesmente ouro, sublinhando uma no primeiro ato em que Renfield resume o passado que tem com o Conde, reconstituindo em 3:4 e preto e branco cenas do Drácula do filme de 1931, mas com a figura de Nicolas Cage, o que, por si só, merece um filme inteiro dedicado a essa época!

Ainda, esta longa-metragem alude em comentário social à questão das relações tóxicas e o problema que representam na sociedade atual, e usa a relação de Renfield com Drácula como metáfora para o tema. É o arco narrativo do filme mais promissor e apelativo, e a química entre os dois Nicolas é fantástica e merece uma prequela centrada em ambos, com a família e passado de Renfield, as aventuras maléficas que os mesmos tiveram durante o que pareceu uma eternidade, e o desfecho do resumo inicial antes de entrarmos no salto temporal que nos trouxe ao século XXI e às divertidas terapias de Renfield.